Saudades
por Jorge C Ferreira
Comecei a escrever nas redes sociais, no Facebook, em 2012. No Jornal de Mafra em 2014. O Facebook diariamente dá-nos as memórias do que escrevemos. Memórias que por vezes vou ler. Já me aconteceu rir e chorar. Já encontrei textos sobre pessoas que, entretanto, nos deixaram e me fazem uma falta imensa. Pessoas que lembraremos para sempre. Pessoas que tenho saudades de beijar.
A morte faz parte da vida. É mais um episódio disto que vivemos e, por vezes, parece farsa, outras drama, alta comédia. Um teatro de carne viva e suada. Uma aventura de que não conhecemos os contornos. Por vezes parece que vivos e mortos se voltam a juntar à mesma mesa. Uma figura desaparecida há muito continua a ler o mesmo livro, no mesmo canto, sentada no mesmo sofá. Será sonho ou realidade? É, se calhar, uma vontade nossa escrita e filmada muitos anos atrás. “Flashbacks” de um tempo que nunca morre.
Eu, que não acredito em outras vidas depois da morte, vivo sem problemas do que poderei encontrar quando morrer. O estranho é sentir, por vezes, a necessidade de falar com quem já partiu. Quando entabulo essas conversas é com pessoas vivas e atentas que falo. Assim o sinto. Muitas dúvidas já lhes coloquei. Respostas? Fui eu que as intuí. Sei que fiquei mais calmo depois de tudo. Como se fosse aspergido por um óleo essencial. Fiquei com uma estranha leveza.
Esta vida que nos marca e, a mim, me obriga a escrever. A escrever outras vidas e as marcas desta. É sobre tudo o que vivemos que inventamos outros modos de viver. Homens e mulheres estranhas que nos embebedam os sentidos e nos obrigam a estar vivos e atentos. Muitas vezes transportamo-nos para outros lugares e aí conseguimos ser outros. Encontramos novas personagens que começam a caminhar connosco num caminho estreito e muitas vezes aventuroso.
Talvez por isso gosto de, por vezes, mudar de lugar. Encontrar outra maneira de viver. Procurar novos amigos. Outras línguas. Outros afectos. É por esses caminhos que gosto de me perder e encontrar. Uma estranha maneira de estar. Sei que me entrego sempre inteiro. Sabendo que já sou apenas o que resta de mim. Espero que assim me aceitem. Estou pronto para aceitar todas as formas de viver de outra gente, de conhecer todas as suas virtudes e defeitos.
Somos um conjunto de contradições. Páginas que viramos uma a uma numa solenidade própria de um acto importante. Somos a brincadeira contínua como se a vida fosse um parque de diversões. Já estive em lugares em que me senti tão pequeno que não me reconhecia. Somos quase nada nesta imensidão que nos cerca e desconhecemos uma grande parte, a maior.
Somos tão pouco que ainda não nos compreendemos. Ainda sabemos tão pouco do que nos rege, do que nos comanda e descomanda. Procuramos, procuramos e, quanto mais descobrimos, menos sabemos. Somos tão complexos que nem nos entendemos a nós próprios. Vestimos uma camisa e umas calças e pensamos que somos homens. Por vezes somos tão ridículos! Não nos conseguimos enxergar. Vamos tentar entender o mínimo da vida. Vamos viver o dia a dia.
«Lá vens tu com essas tuas manias. Parece que por vezes entontas.»
Fala de Isaurinda.
«Sabes, por vezes temos de nos interrogar sobre o que somos.»
Respondo.
«Olha, eu dispenso. Basta o que basta.»
De novo Isaurinda e vai, o dedo na cabeça a apelidar-me de louco.
Jorge C Ferreira Setembro/2022 (362)
Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira
Obrigado Raquel. Eu que sou um céptico, um agnóstico, também sinto, por vezes, necessidade de interpelar os meus mais antigos que decidaram partir. A vida é um local estranho. Temos de a viver. Abraço.
Também eu sou céptica…..acho que sempre fui, mas quanto mais observo o mundo, mais céptica eu fico…..
Obrigada!!! Um abraço!!
Obrigado Raquel. Outro Abraço
Uma crónica bela que enquadrei, na minha leitura, em três tempos, digamos. As saudades, O outro(s) e a essência da vida.
Nesta narrativa o cronista expressa o modo como as saudades dos que partiram existem nele. Existências presentes na memória e no ser do autor. Entralhadas no seu corpo e pensamento. Como que sem este sentir ele também já tivesse partido. Assim “alimenta-se” desses seres dialogando com os mesmos para dar sentido a essa ausência/presença ena sua vida. E se o luto é possível, será a falta preenchida com as lembranças e imaginário sem, no entanto, sarar as feridas que o desaparecimento acarreta.
O outro: é espantoso como autor, fortemente atento ao social, olha o individual, com todas as nuances possíveis. Revê-se. Aprende. Transforma-se. O outro apresenta-se como um duplo espelho: eĺe e a diferença de si. Possibilidade de compreensão da sua singularidade e de outras: único veículo da mesma.
A essência da vida, da realidade, do universo. Questão primeira e última. do set humano. O cronista aflora o acima e recai no sentido pessoal da sua própria existência. O sentido e a razão da mesma, contextualizando um “modo de ser” do seu eu. Passado, presente ” analisados e futuro projectados. A emergência de se reconhecer na natureza humana e na sua, como entidade única, mas de intensa pertença e apego ao outro.E talvez o sentido esteja na ” comunhão ” humana no entender do cronista. Inquieto. Que indaga e constantemente se espanta e depara com dúvidas e o desconhecido. Uma crónica ” demasiado humana”.
Obrigado Isabel. Que bela análise. Somos um caminho e caminhamos com todos os que estão connosco e os que já se ausentaram. Somos o que não entendemos e ignoramos. A vida toda a aprender. Abraço
“Saudades”. Meu Amigo, tenho tantas.
Que análise tão profunda há vida.
Somos realmente tão pequeninos e sabemos tão pouco. Há sempre um canto vazio, na nossa casa. Lugar de quem muito nos amava e tanta falta nos faz. Tudo fica diferente.
Que força é esta, que nos ajuda nos nossos dias.
A vida é mesmo difícil de explicar. Eu amo a vida.
A minha saudade é boa e eu tenho-a por companhia.
Meu Amigo, esta crónica tem tanto para ler, para pensar e meditar. Ela é uma vida, onde tudo é efémero. Vamos vivendo e lendo o que tão bem escreve.
O meu abraço, leva gratidão e estima.
Excelente reflexão sobre a vida. À medida que os anos vão passando, mais perguntas ficam sem resposta, quando pensamos na vida e na morte. A vida é feita de bons e maus momentos, tristezas e alegrias, saúde e doença, encontros e desencontros. A idade passa e tudo vai fugindo. Partem familiares e amigos e fica um imenso vazio. Saudades de pessoas e tempos. Memórias cada vez mais vivas.
A morte é a certeza que todos temos. A lei natural da vida.
Temos que enfrentar essa realidade cruel, valorizando cada momento da vida.
Obrigada Amigo por estar desse lado..
Grande abraço.
Obrigado Eulália. Encarar a morte como mais um passo na vida. Tentar de saber quem somos, o que aqui fazemos e não nos encontrarmos. Os nossos mais antigos a caminhar connosco. Abraços
Obrigado Maria Luiza. Sim, minha Amiga, a vida é um enigma. Um baralho fechado. Queremos entender e cada vez percebemos menos. Preservar sempre esses cantos sagrados. Abraços
A nostalgia da ausência de alguém que fez parte de nós, as saudades presentes. Se existe vida para além da morte, não insisto na certeza. De forma consciente converso e desabafo o que me vai na alma com quem não está junto de mim. A resposta existe sempre, em concordância ou não. Há muitos anos li um artigo de um psiquiatra. Dizia que a nossa busca inicia ou acentua conforme a idade aumenta. Mesmo que tenhamos sido cépticos no que se refere ao (in)terminável. Uma crónica a que não se fica indiferente. As saudades são vida. Adoro a Isaurinda. Obrigada Jorge. Abraço grande.
Obrigado Regina. Eu apesar da minha provecta idadw continuo céptico. No entanto continuo a conversar com os que foram de viagem. Há sempre um canto especial nas nossas casas. Abraços
Trovador e senhor de um saber que brota de uma existência vivida e sentida.
Como é gratificante beber dessa tua sabedoria… De um viver-poema.
Tantos os lugares, as pessoas, os dias que se sobrepõem , as conversas, os lugares comuns, os amores e desamores e os encontros e desencontros….
Quem sabe se a morte não é um ser maravilhoso que nos leva para um paraíso onde a harmonia é uma realidade?
Quem sabe é o nada, o vazio, uma profunda escuridão?
Quem sabe é um outro plano onde vivemos uma nova vida até voltar a um qualquer planeta, um estranho espaço?
Pouco interessa e eu gosto de mistérios…
Por isso, vivo o que me resta, faço dos meus dias uma viagem. Ora tranquila, ora desassossegada.
À medida que o tempo passa dou-me conta de que tudo é efémero. Não vale a pena valorizar o que é de menor importância.
Há apenas que respirar o ar, fixar o azul, reflectir sobre o que nos rodeia, apreciar cada pequeno nada, impedir que pensamentos nublados nos perturbem.
O que tiver que vir, virá!
Por enquanto, meu Amigo, vamos estando por aqui. Vamos aprendendo, amando, rindo e sofrendo. O que é isso senão viver?
Boa noite, vida!
E tu, morte, já sabes, conto contigo. Sei que virás.
Surpreende-me. Adoro surpresas!
Obrigado Mena. És uma Amiga muito generosa. Soberbo o que escreveste. São estes comentários que nos dão ânimo para escrever. Somos feitos de tudo o que passou por nós. Vivemos e não sabemos porquê. Caminhar sempre. Abraços
Querido Jorge
Falar com os que já partiram é-me tão familiar…..pedir-lhes conselhos e até encontrar aprovação…..tudo isto…..! Eu que só acredito na vida terrena, mas nela englobo os que me habitam e comigo a partilham…..
Gostei muito da sua crónica e reflexão, a vida sempre a acontecer…..o reencontro dos que partiram……mas também o encontro com os que vamos apanhando pelo caminho….
Um abraço de gratidão!!!
O José Luís Outono disse muito do que eu penso e sinto. Eu também tenho muitas conversas com quem partiu. Tenho necessidade disso. E ouço com muita atenção o que me dizem. Às vezes são conversas com princípio, meio e fim. Outras vezes ficam a ” levedar ” cá no meu coração, ou no cérebro. Eu prendo-me muito às pessoas e lugares. Umas ainda estão vivas, outras aguardam-me, para deitar as minhas cinzas ao vento. Como diz a Poeta Manuela Machado, poeta e declamadora ” não quero ser canteiro, quero ser paisagem pelo mundo inteiro.”
Abraço à Isaurinda. Beijinhos para ti, meu Amigo/ Irmão.
Obrigado Ivone, mina Amiga/Irmã. Eu também. É como ouvir de novo as suas sábias palavras. Tu és um ser especial. Tens luz própria. És a luz que apetece ter sempre por perto. Obrigado por tudo. Abraços
Perdoa-me … li-te como se fosse eu no teu pensar, e escrevi – Tão igual!
Este correr de calendários sempre incertos no amanhã nascente, é um excelente texto que a nossa mente arquiva, e que tu de uma forma tão simples e directa aqui traçaste.
Também não acredito na vida após fecharmos os olhos, mas concordo quando pausadamente dialogamos com quem nos deixou um mar de saudades.
Brilhante … até o dedo no ar de Isaurinda , codificando-te de louco, mas certamente num rasgo de humor e amor!
Abraço meu amigo que muito estimo!
Obrigado José Luís, meu Amigo,Poeta. Que bom o que disseste. É uma alegria ter-te neste espaço. Vamos continuar a falar com os que nos partiram e vamos escutá-los com atenção. Abraços